terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Bens e Deveres

Trata-se de estudar o que deve ter prioridade na nossa conduta em cada caso, isto é, qual a ordem no amor, que é a definição que Santo Agostinho dá da virtude. Bens e deveres não são duas vozes opostas, mas que se combinam: cuidar dos deveres é um bem, e cuidar dos bens é um dever. Assim: a) É um dever ouvir a voz dos bens, isto é, conseguir os bens de que precisamos. A natureza está muito bem feita. Em princípio, quando nos sentimos atraídos por um bem, é porque nos convém. Temos deveres para conosco (também fazemos parte da natureza que devemos respeitar). Existe um amor próprio que é legítimo e bom. É uma deformação pensar que o que nos apetece ou nos agrada é, por isso mesmo, mau ou, pelo menos, suspeito. Os bens primários (comida, segurança…) atraem-nos porque precisamos deles. Não é mau sentir atração por eles, mal seria deixar-se levar por ela sem ordem. O mesmo se pode dizer do impulso sexual: indica uma necessidade da natureza humana, que é a de perpetuar-se; é algo bom em si, embora tenha também que observar uma ordem, como veremos. A moral cristã baseia-se no convencimento de que é bom o que Deus criou e de que é bom viver de acordo com a verdade das coisas que Deus criou. Em toda a chamada para um bem, em princípio existe um dever. Temos o dever de comer, descansar, progredir e amadurecer em todos os aspectos, desenvolver-nos física e intelectualmente, melhorar a nossa formação e cultura, etc. Mas não se trata de deveres absolutos, sempre acima dos outros deveres. Tem que passar pelo juízo da inteligência que tem que avaliar se essas chamadas devem ser escutadas, porque ordem e em que medida. O desejo é apenas um indício: os bens convertem-se em deveres quando passam pelo juízo da consciência. b) Por outro lado, seguir a voz dos deveres, é um bem. Se o que caracteriza o homem, o que lhe dá dignidade e o distingue dos animais, é escutar a voz dos deveres, o homem é tanto mais digno e maduro quanto mais sentido tem do dever. Para vivermos moralmente, ouvindo a voz dos deveres, precisamos de muita força. E parte dessa força nasce da convicção profunda de que esse modo de viver é bom e belo. A vida moral atinge uma grande altura quando esta maneira de viver é firmemente desejada como um bem. É então que se combinam plenamente a voz dos deveres e a voz dos bens. Porque o homem é um ser corporal, é dotado de sentimentos e precisa deles para agir com firmeza, profundidade e perseverança. Ama-se um dever, mesmo difícil, adquire-se uma força enorme para perseverar no seu cumprimento. É então o homem inteiro - com o corpo e a alma - quem quer. Nem sempre é possível chegar a essa situação, porque não temos um domínio fácil sobre os nossos sentimentos que, ao ter uma base corporal, estão também condicionados por fatores incontroláveis (clima, saúde, alimentação, etc.). Requerem tempo para se afeiçoarem a algo e senti-lo como um bem. É preciso, pois, educá-los, acostumá-los a amar os deveres. Isso se obtém muitas vezes começando por cumprir o dever sem sentir nada ou mesmo sentindo relutância. O costume de vencer-se e de fazer o que se deve, com ou sem sentimentos, educa-os e torna-os mais ágeis para seguir a determinação da vontade. Quando tomamos decisões muito firmes, arrastamos os nossos sentimentos, e quando o repetimos, criamos gosto nisso, sentindo orgulho por termos cumprido o dever. O mesmo acontece quando consideramos como é bonito viver assim: os sentimentos movem-se quando se descobre no dever o seu aspecto de beleza. Os sentimentos educados sustentam a vida moral: dão-lhe estabilidade e consistência e um modo de educá-los é mostrar a beleza da conduta reta e a lealdade da conduta desleal.

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